Ele escrevia-lhe todos os dias. Guardava as cartas numa gaveta fechada à chave que só abria para depositar inertes as suas confissões. Levantava-se de manhã e sentia-se só, estranhamente só. A casa enchia-se de barulhos e outras gentes logo pela manhã, mas ele não conseguia apagar a solidão. Faltava-lhe na alma a outra metade.
Durante muito tempo procurou outros passos, tentando ignorá-la. Pegava no carro e zarpava para cidades longínquas, onde não sentisse a presença dela nos seus desígnios, onde não lhe sentisse os ecos das pegadas. Compunha canções de desatino e ócio que não procurava entender. Ficava acordado com elas até o sol nascer e lhe relembrar que os dias não iam acabar só porque o seu mundo ruía.
Ele conhecia outras pessoas que o iam absorvendo. Fumava demais e dizia que era do stress e do cansaço da vida. Conversava distraidamente com personagens das suas inúmeras escapadelas pela noite dentro e declarava aos amigos que não tinha tempo para coisas menores. Como ela. Ela era apenas uma coisa pequena e insignificante demais para a sua existência plácida e descontraída. Ela era apenas um ruído irritante que alguém se lembrara de injectar nos seus ouvidos para o importunar em todas as horas. E ele não o conseguia apagar. Porque era esse ruído cáustico que o fazia sonhar quando finalmente adormecia.
Ela, o ruído, era pequena sim. Mas apenas por fora. Era uma miúda irrequieta e bizarra, incongruente mas adulta demais porque a vida a fizera crescer antes do tempo, sem preparação ou aviso prévio. Todos os dias da sua vida se levantava da cama achando-se estranha do mundo, demasiado distante dos discursos que ouvia de outrem. Procurava encontrar-se a cada nova madrugada, descobriu finalmente quem era quando o conhecera. A ele, a doença que ela agora tentava anular no louco pulsar das suas veias.
Ela era de temperamento frágil e discreto, mas odiava o tédio e a displicência. Saía com os amigos de sempre e perdia-se por vezes em noites anestesiantes que a faziam esquecer. Adormecer a dor e a chama. Aventurava-se em novos lugares de caos e sedes, procurando novos extremos para preencher os seus sentidos ávidos de maiores visões. Chegava a casa depois, o corpo cansado, a alma cedida ao fundo de um qualquer copo vazio. Quando acordava chorava, implorando pelo nome dele às paredes do quarto. Era sempre assim quando se sentia só.
O engraçado é que ela também lhe escrevia. Poemas de amor e fúria, de ausências difíceis e manifestos de indiferença. Chamava pela razão, mas era sempre um pedido em vão. A sua mente tinha uma incompatibilidade grotesca com a racionalidade de pensamentos. Por isso nunca se compreendera a si mesma. Nunca soubera encontrar-se por entre as inconsistências das linhas que escrevia.
Um dia, os seus caminhos cruzaram-se novamente. E imprevisivelmente. As suas linhas paralelas deixaram a pose rígida e movimentaram-se em círculos incoerentes e desafiantes do espaço e do tempo. Souberam então que nada mais saberiam a partir de então. E que, por mais voltas que pudessem dar para se desviarem um do outro, as suas linhas dançariam sempre em círculos perfeitos, na arquitectura idílica do seu encontro.
Durante muito tempo procurou outros passos, tentando ignorá-la. Pegava no carro e zarpava para cidades longínquas, onde não sentisse a presença dela nos seus desígnios, onde não lhe sentisse os ecos das pegadas. Compunha canções de desatino e ócio que não procurava entender. Ficava acordado com elas até o sol nascer e lhe relembrar que os dias não iam acabar só porque o seu mundo ruía.
Ele conhecia outras pessoas que o iam absorvendo. Fumava demais e dizia que era do stress e do cansaço da vida. Conversava distraidamente com personagens das suas inúmeras escapadelas pela noite dentro e declarava aos amigos que não tinha tempo para coisas menores. Como ela. Ela era apenas uma coisa pequena e insignificante demais para a sua existência plácida e descontraída. Ela era apenas um ruído irritante que alguém se lembrara de injectar nos seus ouvidos para o importunar em todas as horas. E ele não o conseguia apagar. Porque era esse ruído cáustico que o fazia sonhar quando finalmente adormecia.
Ela, o ruído, era pequena sim. Mas apenas por fora. Era uma miúda irrequieta e bizarra, incongruente mas adulta demais porque a vida a fizera crescer antes do tempo, sem preparação ou aviso prévio. Todos os dias da sua vida se levantava da cama achando-se estranha do mundo, demasiado distante dos discursos que ouvia de outrem. Procurava encontrar-se a cada nova madrugada, descobriu finalmente quem era quando o conhecera. A ele, a doença que ela agora tentava anular no louco pulsar das suas veias.
Ela era de temperamento frágil e discreto, mas odiava o tédio e a displicência. Saía com os amigos de sempre e perdia-se por vezes em noites anestesiantes que a faziam esquecer. Adormecer a dor e a chama. Aventurava-se em novos lugares de caos e sedes, procurando novos extremos para preencher os seus sentidos ávidos de maiores visões. Chegava a casa depois, o corpo cansado, a alma cedida ao fundo de um qualquer copo vazio. Quando acordava chorava, implorando pelo nome dele às paredes do quarto. Era sempre assim quando se sentia só.
O engraçado é que ela também lhe escrevia. Poemas de amor e fúria, de ausências difíceis e manifestos de indiferença. Chamava pela razão, mas era sempre um pedido em vão. A sua mente tinha uma incompatibilidade grotesca com a racionalidade de pensamentos. Por isso nunca se compreendera a si mesma. Nunca soubera encontrar-se por entre as inconsistências das linhas que escrevia.
Um dia, os seus caminhos cruzaram-se novamente. E imprevisivelmente. As suas linhas paralelas deixaram a pose rígida e movimentaram-se em círculos incoerentes e desafiantes do espaço e do tempo. Souberam então que nada mais saberiam a partir de então. E que, por mais voltas que pudessem dar para se desviarem um do outro, as suas linhas dançariam sempre em círculos perfeitos, na arquitectura idílica do seu encontro.
2 comentários:
"As suas linhas dançariam sempre em círculos perfeitos, na arquitectura idílica do seu encontro." Esta frase está simplesmente fantástica. Digas o que disseres, eu não crio nada assim. Brutal. Até metes bedum com tanto jeitinho pra coisa. Arre. Lol
sabes k mais? adoro a forma como danças com as palavras :)
(engraçado como estupidamente revejo aqui alguns caminhos meus... mas talvez cada um de nós possa ver um pouco de si nas linhas que se lêem!)
beijo
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