quarta-feira, agosto 20, 2008

Out

Tenho o dicionário interior todo a palpitar palavras de melancolia. Está um tempo esquisito lá fora, por isso fico-me pela penumbra introspectiva que subitamente invadiu os cantos do quarto. Não estou para ninguém, não me apetece ser cordialmente activa, só me apetece estar, ser, o menos possível. Descansar os olhos da mente enquanto observo o vazio do tecto e o transformo aos poucos numa amontoado de ideias minhas empilhadas anarquicamente, como é meu costume. Exijo uma espécie de coerência interna que nunca existirá em mim, e escrevo linhas onde expando todo o meu egocentrismo, de uma forma absurda e febril, como se precisasse de extrair tudo e exorcizar. Mas a confusão está lá, manifesta ou não, e eu aceito-a enfim passivamente, de uma forma narcisista  e irritantemente amigável.

Não estar para ninguém. Excepto para os transeuntes do passeio ou do meu sonho, aqueles que não têm cara, não têm pormenores para eu analisar e me apaixonar. Perdidamente. Se calhar devia ficar-me pelos contornos da praia e do areal, e tentar desenhá-lo à medida da sua imensidão, e desistir a meio porque a eternidade é indeterminadamente bela e é essa imprecisão que lhe confere traços tão mais graciosos quanto inacessíveis. Eu não sei desenhar a eternidade. Talvez se soubesse, a desenhasse sob a forma do teu rosto, que é a única coisa que eu sei desenhar sem me cansar, e sem perder o rumo. É a única coisa que me sabe bem quando tudo o resto me sabe mal, ou pura e simplesmente não me sabe a nada.

Talvez o teu desenho cravado na minha mente, outrora despida de coisas, seja uma espécie de vício que eu já não consigo deixar. É um vício de mimos e de palavras e de silêncios que eu nunca tive antes, porque eu sempre achei as pessoas demasiado entediantes para isso, ou então sou eu que me entedio injustamente com as pessoas e depois sobrevalorizo os meus próprios critérios. Não sei. Sei que mudei, e que estou mais serena e mais justa comigo e com o mundo. Já não discuto comigo mesma em voz alta tantas vezes. Já não dou tanta importância às outras pessoas. E já não sou e faço tudo tão desenfreadamente. Bom, só as vezes.

Hoje não estou para ninguém. Só para as cores que estão lá em cima, no tecto, enquanto eu as olho e me sinto daltónica. Again.

2 comentários:

Rothschild disse...

Deixo-te com as cores então! Sem perturbar. Beijo enorme. Até ao teu regresso!

* misty * disse...

mas sou daltónica eu! troco as cores do tecto pelas tuas... :)