sexta-feira, agosto 31, 2007

Desvios de percurso

A casa ainda não tem os meus cheiros nem dedadas minhas no vidro das janelas. Não tem as minhas coisas por todo o lado, na minha organização desarrumada, não tem incenso e fotografias, folhas de papel metade escritas, metade desenhadas. Tenho de a fazer um hábito meu, eu acho. É um processo, só mais um, a vida não é mais que uma dança desvairada impulsionada por processos. A maior parte deles incompreensíveis. E eu procuro refazer tudo como primeiras vezes. Pequenos nadas mais uma vez (como eu queria hoje refazer-te com as tuas mãos nas minhas), pequenos nadas de luas cheias e passos dados na escuridão. Pequena, eu. Sempre tão pequena e tão cheia de medo de grandezas.

E a paisagem vai mudando lá fora, consoante o dia em que me vejo. E os receios desaparecem na neblina de madrugadas deliciosamente límpidas, embalados em sons distantes da memória em ecos. Ecos de sinais e risos, um pouco por todo o lado, no latejar da mente, na mente das minhas veias. E há ainda a novidade do tecto e da varanda da sala e da luz que de lá emana. Para além da novidade de quem eu ainda não sei explicar.

E vou-me habituando às paredes do quarto e elas à minha presença. E páro de ser esquizofrénica por um bocado, alheando-me numa falha da memória que me dá um certo jeito agora. Páro de pensar demais no que não vale mais a pena, ou nunca valeu decerto. Acertei, não foi? Talvez tenha sido eu a inventá-lo apenas. Talvez tenha sido mais um engano de percurso, daqueles que se eternizam sempre que os queremos esquecer por baixo da inútil metáfora do inconsciente.

E largo propositadamente baladas fictícias que certamente construí outrora para me distrair. Ilusões debaixo dos lençóis dos sonhos. Aqueles que perdemos sempre cedo demais, perto demais. E mais uma vez sei-o tão inevitável como nós próprios.

E obedeço aos desígnios de um deus que não conheço. Para poder dizer que não fui eu que o escolhi.

E invejo a razão de quem a não tem, para me alegrar por a perder de vez em quando agora. Porque há coisas boas que acontecem quando não nos medimos por dentro. E há um aroma diferente a pairar no ar, dá vontade de ficar por lá mais um bocado, à espera, a ouvir e a cantar baixinho, com a almofada a acariciar-nos os sentidos enquanto nos descobrimos. E apetece-me criar hábitos velhos com pessoas novas. (E apetece-me dizer a alguém: volta depressa...)

(E no início eu pensava que me doíam as coisas deixadas em suspenso. Aquelas que nos fogem sem nunca termos largado as mãos…)

1 comentário:

Diana disse...

há muito tempo que não vinha cá! :P