segunda-feira, março 17, 2008

Horóscopo das ausências

Pela enésima vez confirmo o calendário, o relógio já eu sei que ficou parado nas simulações da memória e o tic-tac é uma partida da minha mente, que se diverte a inventar estímulos sensoriais para eu acreditar que os dias são normais. Mas não são, o tempo não passa como nos dias normais, o relógio não tem ponteiros, só números desordenados na espera, o calendário perdeu os sentidos e não reage aos perpétuos anoiteceres e amanheceres que o horizonte ordena, talvez tenham já passado anos e anos, quantas voltas terei dado aos astros nos últimos minutos, quantas vezes terei violado as tuas mãos nos últimos segundos, quantas e quantas vidas o inconsciente terá criado, enquanto se diverte a atirar-me sem pudores com estilhaços invisíveis da nossa dança etérea. Olha, hoje sonhei que vivíamos dentro de uma caixa de música, e dançávamos com as mãos dadas e os olhos fechados para os nossos beijos, e de repente todos os sons que haviam na cidade emudeceram para se ouvir o nosso grito e as pessoas ouviam aquela música difusa por toda a parte, a invadir as paredes dos prédios e a entrar pelas janelas dos carros e a tocar as flores e as árvores e os pássaros e os mendigos do passeio da cidade das pontes, e as pessoas nas esplanadas tentavam entender que barulho era aquele que se ouvia em toda a parte, mas por essa altura já nós tínhamos extinguido as notas musicais da partitura.

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